PRESENTES E GRATIDÕES
Adriana: O filho de uma amiga minha era uma criança 'pobre', para os padrões da classe média. Não tinha o pai em casa, a sua mãe era uma professora de educação física da escola elementar. Eles viviam de forma muito "apertada", mas tinham a harmonia que era possível dentro de uma casa com dificuldades de toda ordem. Moravam com o menino na casa acanhada, além de sua mãe, a irmã mais velha. Era seu aniversário, e eu acompanhara de longe, como amigo da família, a dificuldade de oferecer ao menino uma lembrança de seus 9, talvez 10 anos de idade.No dia da festa eu estava na sala, entretido com um pedaço de torta, quando sua mãe lhe deu o presente. Esticou os braços com a confiança de ter oferecido ao seu filho o melhor que podia. Não pediu desculpas e nem pareceu culpada. Sorriu com um olhar cheio de alegria, e olhou-o como alguém que sabia ter feito o melhor que podia. Era uma bola colorida, que deveria custar uns 10 reais (na moeda de hoje). Eu o vi abrindo o presente óbvio (não dá pra se embrulhar uma bola e fazer parecer um jogo de louça 24 peças), e mentindo amorosamente à sua mãe de que estava diante de algo inusitado e inesperado. Abriu o pacote e, ato contínuo, abriu também enorme um sorriso em seu rosto.- Uma bola, mãe. A MINHA bola!! E saiu correndo jogando-a por todos os lados. Eu assisti a cena com lágrimas nos olhos, porque consegui ver o valor depositado nas pequenas coisas, nas minúsculas conquistas.
Muitos anos depois eu pude ver a mesma cena se repetindo na relação que temos com os presentes que a vida nos oferta. Para mim ficou a lição de que os partos, quaisquer que sejam, são os melhores possíveis diante do contexto em que se apresentam. O teu parto, Adriana, foi maravilhoso, porque foi o TEU parto, com o que podia ser feito naquele momento, naquele contexto, com aquelas pessoas envolvidas. Poderia ter sido um parto sem epísio, de cócoras, em casa, com menos frieza e mais consideração pelas tuas vontades, mas não havia como ser assim pela organização das pequenas peças que o destino dispõe na mesa de nossa vida.
Graças à sua conscientização e o auxílio luxuoso que Vânia te ofereceu, vc teve um parto maravilhoso, lindo, tão bonito quanto uma bola multicolorida no dia do seu aniversário. Ele foi grandioso e eloquente, porque foi o máximo que todos puderam apresentar. Seu médico, dentro de suas limitações tecnocráticas, deve ter se esforçado também para te oferecer algo que talvez estivesse muito além das suas capacidades. Acho que até ele, descontados seus desmandos, pode ser saudado como alguém que tentou produzir algo melhor.
Meu pequeno amiguinho, que ganhou sua bola colorida, teve esta sabedoria. Ele entendia as dificuldades de sua mãe e, por amor e consideração, não comparou seu presente com os video-games ou chuteiras novas que seus colegas mais abasta(r)dos recebiam rotineiramente. Preferiu oferecer de volta à quem tanto amava o reconhecimento de que aquele era o melhor brinquedo do mundo, porque era o SEU, cheio da sua história, seus sonhos e dentro das suas possibilidades.
O desejo de algo melhor na vida (um parto melhor, uma vida mais digna, um governo mais honesto) não pode nos fazer JAMAIS desacreditar na maravilha do que temos. Não se constrói um mundo melhor desmerecendo o que conquistamos. Seu parto, Adriana (mas falo por todas as outras que tiveram pequenas e grandes frustrações em suas planificações de parto) foi maravilhoso, apesar dos equívocos. Lutar para que estes equívocos não mais aconteçam, é a luta de muitos de nós aqui. Mas esta luta não pode fazer-nos crer que não vale a pena sonhar.
Parabéns pelo seu parto. Parabéns pela lucidez. Parabéns pela escolha de alguém para lhe acompanhar.E que as Deusas que controlam e zelam pela vida continuem a te inspirar na tua caminhada.
Um beijo
Ric
PS: no texto original eu não usei o duplo sentido da palavra "abasta(r)do",porque não desejava criar uma outra discussão. Usei-a aqui por se tratar de uma lista menor e para falar de que os presentes que as crianças recebem são muitas vezes uma "paternidade comprável". As "pobres crianças ricas" são frequentemente"bastardos" por terem pouco acesso aos pais de verdade, e acabam recebendo a paternidade em forma de presentes e substitutivos desta instância. Como me dizia o Max, emérito fazedor de frases: "Recebem presentes por não os tê-los presentes". Mas o título desta crônica não é "presentes e gratidões"? Não seria uma discussão sobre a gratidão pela presença? Não seria esse o maior presente, aquele de que tanto estamos carentes? Não seria (voando alto) a tecnologia aplicada ao nascimento um "presentinho" que a cultura oferece à "criança carente" que, em verdade, ansiava apenas pela presença amorosa dos seus, que foi como a nossa espécie sempre lidou com estas crises?
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