Esse será um brevíssimo relato, pois foi uma doulagem "relâmpago".
A moça me procurou aos oito meses de gestação, após sair de licença maternidade e vir para São Carlos, aguardar o parto na casa da mãe dela. O casal mora em uma cidade distante e ao procurar assistência próxima não gostaram nem um pouco do nível de atenção que teriam por lá. Então decidiram que ela viria para São Carlos, ficaria na casa da mãe dela, e o chamaria quando entrasse em TP.
Fizemos duas ou três reuniões de preparação, e chegou o grande dia. Ela me ligou bem cedo, perto de 8 da manhã, dizendo que a bolsa havia rompido e já estava com contrações próximas - cinco minutos de intervalo. Resolvemos que daí a pouco eu já iria ficar com ela. Liguei para a Frê, ela ficou felissícima e se colocou à disposição se fosse preciso.
O plano de parto incluia privacidade e ficar em casa o maior tempo possível, como sempre. No entanto... não foi isso que aconteceu. Quando cheguei lá ela estava bem calma, na sala, andando prá lá e prá cá... aceitou um cházinho de canela para esquentar, comeu um pedaço de bolo... e o irmão chegou com a namorada a tiracolo. Além de não ir trabalhar ele foi buscar a namorada porque ela também queria ficar junto! Mais dez minutos e chegou também o namorado da mãe dela, "para ajudar caso fosse necessário". A expressão dela foi: "não acredito"!
Aconselhei que ela fosse ficar no quarto, tomar um banho quentinho... fiquei por perto. Mas ela não se ajeitou mais, não queria ficar fechada no quarto, com toda razão. Então, depois de no máximo duas horas que eu chegara na casa dela, ela decidiu que queria ir para a maternidade para ter mais privacidade. Então fomos. Ela, eu e a família inteira, esperando que eles ficassem na recepção.
No exame de admissão a enfermeira disse que ela estava com 2 cm de dilatação e colo afinando. Estava tudo indo muito bem até aí. Mas pensar que ir para a maternidade traria mais privacidade foi um ledo engano. A mãe trazia notícias da família ansiosa esperando lá fora... E a moça começou a se queixar de cansaço e muita dor.
Chamei a Frê para ajudar. Eu não tinha como sair de perto da moça para ir montar a piscina que a mãe juntava em volta dela, dando notícias no mundo lá fora: estava uma chuva torrencial e o marido dela vindo o mais rápido possível de uma cidade distante... ela ficava ligando para ele e vinha contar em que ponto da viagem ele estava. Eu não conseguia imaginar que pudesse piorar. A Frê chegou, montamos a piscina em revezamento, tentando segurar a ansiedade da família o tempo todo.
Uma hora depois, piscina montada e cheia, a moça entrou e conseguiu relaxar por algum tempo. Saí para ir tomar uma água e encontrei a mãe e o namorado tendo uma conversa do tipo: "que absurdo fazê-la passar por isso!".
Bom... ao meio dia ela quis saber como estava a dilatação, e o colo havia afinado mais, mas a dilatação continuava a mesma. Explicamos que estava tudo bem, estava evoluindo, mas ela parecia mesmo uma mulher à beira de um ataque de nervos. Pediu cesárea. Perguntei duas vezes se ela tinha certeza, se não queria esperar mais um pouquinho... e diante do olhar irado na mãe dela expliquei que estava fazendo meu papel, pois eu fui contratada prá isso.
A moça agradeceu a disse que tinha certeza, que queria a cesárea.
Então a equipe da maternidade começou a prepará-la para ir para a cirurgia, e "aí sim fomos surpreendidos novamente"! A mãe dela ligou para o genro, ele já estava em Araraquara, e ela veio perguntou se não daria para esperar ele chegar. Tóin! Então a equipe enfiou o pé no freio e fez o máximo possível de operação tartaruga, para dar tempo dele chegar, já que o anestesista já estava a caminho e com certeza não iria aceitar ficar a postos esperando que o pai do bebê chegasse!
Bom... depois de tudo ainda tivemos, eu e Fre, que aguentar mais uma vez o olhar irado do namorado da mãe, e as frases muito conhecidas de que "isso não é humanizar, isso é judiar" ou "a tecnologia está aí para ser usada". Bom... que me perdoem, mas nem respondi. Simplesmente a carapuça não serviu e eu não tenho hábito de semear solo infértil.
O que posso dizer para terminar? Que foi o dinheiro mais fácil que eu ganhei na minha vida de doula? Pois eu preferiria ter trabalhado muito, muuuuuito mais.
Posso dizer que não adianta a equipe ser humanizada quando a família não colabora. Quando ia me passar pela cabeça que seria necessário chamar o namorado da mãe da moça para uma oficina de parto? Kkk... ninguém merece!
O desfecho: o casal se sentiu respeitado, a moça ficou satisfeita. Perguntei a ela se eu ou a equipe haviamos em algum momento forçado demais para esperar mais um pouco. Ela mais uma vez me respondeu que nos havia contratado para isso, para incentivá-la quando ela precisasse de incentivo, e que graças a isso deu tempo do marido chegar e ver o filho logo depois de ter nascido.
Se a torcida do Flamengo não ficou satisfeita... bom... a eles desejo tudo de bom!
E o bonde da humanização segue em frente!
Quem sou eu
- Vânia C. R. Bezerra
- São Carlos (cidade natal), SP, Brazil
- Sou Doula e Psicóloga. Atendo em consultório na Vila Prado em São Carlos SP. Formada em Psicologia pela UFU em 1996, fiz Aprimoramento Profissional em Psicologia Hospitalar pela PUC/Camp em 1998, formação de Educadora Perinatal pelo Grupo de Apoio à Maternidade Ativa em 2004, e Curso de Extensão em Preparação Psicológica e Física para a Gestação, Parto, Puerpério e Aleitamento pela UNICAMP em 2006, onde neste mesmo ano, participei da palestra "Dando à luz em liberdade - Parto e Nascimento como Evento Familiar" com a parteira mexicana Naolí Vinaver Lopez. O que é uma doula? Uma mulher experiente que serve (ajuda)outra mulher durante o trabalho de parto e o pós-parto. Sou doula e psicóloga. Atendendo em consultório particular na Vila Prado em São Carlos SP Contato: vaniacrbezerra@yahoo.com.br (16) 99794-3566
Eu era a médica dessa moça....
ResponderExcluirSoube depois que a mãe dela falou mal de mim para outra gestante sob meus cuidados, dizendo que eu fizera a filha dela sofrer.
Eu não sei porque esse povo procura a gente, somos de outra tribo, somos da tribo maluca que acha que parir é natural, que a dor faz parte do processo, que alimento de bebê é leite materno, que lugar de bebê é no colo da mãe....
A tribo que acha que o normal é cortar o útero para extrair os bebês faz parte de outra linhagem de evolução da espécie humana, e não dá certo quando nos misturamos.
Isso mesmo. Não tem sentido semear solo infértil. Sempre penso que se empodero a moça para que ela ao menos espere entrar em TP e não faça cesárea com hora marcada já está ótimo. Mas aguentar a torcida contra foi dose prá leão!
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