Nascimento da Sandra como mãe
Sandra me procurou aos 7 meses de gestação. Eu havia recentemente passado a atender em conjunto com outra doula, Ana Frederica. Como a procura pelo serviço de doulagem estava começando a aumentar, com os atendimentos da Kátia e da Sandra eu fiquei pela primeira vez com duas gestantes com o parto previsto para o mesmo mês. Diante da possibilidade de que entrassem em trabalho de parto ao mesmo tempo, comecei a buscar parcerias. Assim, eu e Fre fizemos os encontros de preparação para o parto juntas, com Sandra, Marcelo e Frederico na barriga. Foram alguns fins de tarde divertidos e muito emocionantes, durante os quais, entre outras coisas, Sandra nos contou sua verdadeira peregrinação por 4 médicos até chegar na Dra. Carla, com a qual finalmente sentiu-se respeitada e bem atendida.
Então estávamos esperando o dia em que o Fred se mostraria pronto para nascer.
Marcelo me ligou no dia 16/07, cerca de 09h30, dizendo que a bolsa de águas da Sandra tinha rompido, que tinham falado com a Dra.Carla, que iriam para o hospital para ela ser examinada, e saberíamos se ela ficaria internada ou voltaria para casa. Liguei para a Fre e contei a novidade. Ela ficou super feliz. Não entendi pq estavam indo para a maternidade, mas depois soube que era pq a Dra Carla já estava lá, portanto seria mais prático do que irem todos para o consultório.
Saí para pagar uma conta, e fazer umas compras já que o dia prometia... Marcelo ligou de novo, dizendo que já estavam de volta em casa e ela estava com 4 cm de dilatação. Respondi que logo eu e Fre estaríamos lá. Liguei para a Fre, ela disse que estava vindo me buscar.
As coisas todas para o parto, como a piscina, bomba de inflar, bolinha e carrinho de massagem já estavam no carro da Fre há alguns dias. Ela contou que aquilo parecia um corpo embrulhado e que os atendentes de supermercado sempre olhavam assustados quando ela abria o bagageiro... demos muita risada... coisas de doulas! As meninas da Fre ficaram na casa da avó, e lá fomos nós, carregando "o corpo" pela rua...
Chegamos na casa da Sandra e Marcelo às 11h00. Ela estava no quarto do Frederico, sentada na bola, balançando e descansando um pouco. Estava tendo contrações desde a madrugada. Ficamos ali: eu sentada em uma poltrona e a Fre sentada no chão.... Sandra nos contou como tinha sido a madrugada, a sensação da bolsa rompendo pela manhã, quando estaa trabalhando no computador, e como ela ficava tendo pensamentos de comando para colocar as coisas em ordem: "preciso ficar calma", "preciso ligar para o Marcelo", "preciso arrumar o quarto do Frederico". Contou que o Marcelo tinha feito um filminho porque ninguém acreditaria que ela estava em trabalho de parto e arrumando o quarto. As contrações estavam distantes e irregulares. E o Marcelo aparecia no corredor comendo pizza. A certa altura ele disse que era sempre o mesmo pedaço pq ele estava providenciando o nosso almoço enquanto comia...... hahahaha.
Sandra estava muito calma.
Almoçamos lazanha. E eu nunca tinha ouvido falar que lazanha à bolonhesa induzisse contrações... rsrsr Mas começaram umas bem mais forte e depois disso eu e Fre já começamos a massagear as costas durante as contrações. Achei que seria uma boa hora para começar a montar a piscina, já que isso demanda um certo tempo e não podemos esperar que as contrações estejam muito próximas para começar.
Eu estava no quarto do Frederico montando a piscina. A Fre ficou com a Sandra na sala, fazendo exercícos na bola, e dando a homeopatia receitada pela médica, de 10 em 10 minutos, para ajudar a regularizar as contrações. Também tínhamos feito um chá de canela bem mais forte, e Sandra estava tomando. A casa cheirava a festa junina.
Eu e Fre nos revezamos na bomba de inflar e conseguimos aprontar a banheira bem rápido e começamos a enchê-la.
Panelas no fogo, chá fumegando, boa conversa, banheira enchendo e o tempo passando. A Carla ligou dizendo que passaria para auscutar o foco, ou seja, verificar o coração do Frederico, e chegou 14h15. Sentamos todos na sala, o coraçãozinho do Fred estava ótimo, e conversaram sobre viagens, café gostoso... Tirei fotos, e a Dra. Carla foi embora.
Fomos as três andar no quintal, dando a volta na casa, conhecendo todos os lindos vasos de plantas, os "bonsais" de jabuticabeira (eu até comi algumas), e a Sandra assaltou o vaso de alfazema, lembrando dos campos floridos que um dia ela visitou e que gostaria de rever.
Ali pelas 4 da tarde ela já estava cansada e um tanto pálida, e enquanto andava pelo corredor acompanhada pelo Marcelo teve algumas pequenas crises de choro durante as contrações, e depois, intensas crises de riso quando passava em frente a um espelho. Cheguei a pensar que isso era sinal de que o colo do útero tinha terminado de afinar e começaria a dilatar mais rapidamente. (Até aí eu não tinha visto de sinais de dilatação no comportamento dela).
Religamos as panelas, colocamos mais água quente na piscina e sugeri que ela fosse relaxar um pouco. Inflei a bola menor para que o Marcelo pudesse ficar confortável enquanto ficava apoiando a Sandra, sentado ao lado da piscina. Depois ele foi tomar um banho e eu assumi a posição, enquanto a Fre foi à padaria buscar "coisinhas gostosas e quentinhas" para tomarmos um café da tarde. Quando ela chegou o Marcelo colocou a mesa e nos sentamos todos para comer. Pão na chapa, pão-de-queijo, bolo de fubá, e chá de canela é claro.
A Dra. Carla voltou. Fomos prá sala, o coração do Frederico continuava ótimo, e às 19h00 o Andrea Boccelli veio nos fazer companhia. Conversa sobre a conduta após 12 hora de bolsa rota, e as contrações que tinham diminuido novamente na piscina, pararam durante algum tempo. Sandra perguntou se poderia se deitar um pouco, e concordei. Mesmo deitada as contrações voltaram, mas o relógio agora corria contra. Os intervalos continuavam grandes, sempre maiores que 10 minutos.
Nesse meio tempo eu e a Fre tiramos a água da piscina pq infelizmente ela estava vazando, e inundaria o quarto... Limpamos tudo e o quarto do Frederico fico arrumado como a Sandra tinha deixado.
21h00 a Carla ligou de novo, conversaram e decidiram que a ida para a maternidade não seria definitiva. Fariam exames e só diante dos resultados tomariam uma decisão. Fomos prá maternidade, e entramos todos juntos diante do olhar atônito do porteiro. Acho que ele nunca viu uma turma tão grande entrando. Coração do Frederico: ótimo. Conduta: voltar para casa. A Carla ficaria junto. Choro e agradecimentos se misturaram nessa hora.. Voltamos todos prá casa.
E durante uma contração particularmente a Sandra disse que estava sentindo arder, e pressão lá embaixo... essas coisas podem acontecer sabe? De repende a dilatação está completa e o bebê resolve escorregar... pedi licença prá olhar, já que a Carla ainda não tinha chegado. Tinha um muco, claro e grosso saindo. O que poderia ser indicio de que o bebê tinha descido um pouco, mas o nascimento não era eminente.
Arrumamos o quarto de visitas. 23h00 estava tudo arrumado. E resolvemos tentar dormir um pouco. Dormir uma hora seria mais que suficiente prá recuperar as forças, de todos. E quando vinham as contrações levantavamos e davámos todo o apoio possível. E voltavamos prá cama. E assim ficaríamos até quando fosse preciso. A Carla, de vez em quando, verificando o coração do Frederico, e continuava tudo bem.
Mas por volta da 01h30 a Sandra começou a tremer violentamente, batendo os dentes. Isso poderia ser sinal de bacteremia - ou seja, infecção circulando na corrente sanguínea. Sempre acontece quando a placenta se desprende do útero, após o parto, não importando se foi parto normal ou cesárea. Mas se acontece antes pode ser sinal de problema. Agora era necessário internar para tomar antibióticos na veia.
Fomos prá maternidade. Entramos eu e Fre enquanto o Marcelo ficou fazendo a internação. A Dra. Carla chegou e fomos todas pro quarto. O Marcelo foi avisar que teria que sair e ir a outro lugar para deixar o cheque calção para a internação em quarto particular. Indignação!
O aparelho de cardiotoco foi instalado, Sandra continuava tremendo, e o coração do Frederico começou a ter quedas, não muito grandes, mas fora do padrão de segurança. Diante disso foi feita a indicação de cesárea. E a única apreensão neste momento era de que o Marcelo não chegasse a tempo. Cheguei a pensar em ligar para ele para pedir que se apressasse, mas considerei que seria perigoso pedir para correr, já que ele também estava muito cansado. Ele chegou quando ela estava saindo do quarto.
Fomos todos juntos até a entrada para o centro cirúrgico, vimos o cirurgião auxiliar, a pediatra, e o anestesista chegarem. (Dr. Adriano = excelente anestesista. Graças a Deus pois infelizmente em São Carlos não temos opção de chamar o anestesista de preferência. Tem que ser o que está de plantão). Logo depois o Marcelo recebeu autorização para entrar. E nós ficamos ali na frente do vidro do berçário. A Fre chorou um pouco. A mesma sensação que eu tive na cesárea da Kátia, de paraíso perdido juntamente com o agradecimento por termos a cirurgia como alternativa para resgatar um bebê que também estava ficando cansado.
Às vezes escutavamos uns gemidos, e pensávamos: "será que é a Sandra?".... às vezes escutávamos um chorinho, e pensávamos: "será que é o Frederico?" Eram 3 horas da manhã.
Algum tempo depois a pediatra, Dra. Patricia Canedo, excelente recepcionista de bebês, veio nos mostrar o Frederico. Lindo, rosado, loirinho e tranquilo. Graças a Deus.
Ficamos no quarto até a Sandra chegar, acompanhamos as massagens no útero para tirar os coágulos que tinham se formado, o que foi mais uma fonte de estresse para a Sandra. Os tremores ainda mais violentos incomodaram muito, mas não estavam fora da normalidade. E logo começaram a melhorar.
Infelizmente comecei a tossir, e achei melhor ir embora, mesmo com a sensação de deixar um dever não cumprido, mas insistir em ficar poderia trazer mais prejuizos do que beneficios. E com o tempo a decisão mostrou-se acertada. Eu tinha mesmo contraído uma gripe. Mas a Fre ficou lá durante mais algum tempo, até que tudo estivesse mais calmo.
Mesmo que tenha acabado em cesárea, é importante que ela tenha sido como deve ser: sob indicação válida. Se o trabalho de parto não chegou à fase ativa, o corpo teve algum motivo para isso. E mesmo assim foi o suficiente para nos mostrar que era o dia em que o Frederico quis nascer; ele terá menor probabilidade de problemas respiratórios (veja que mesmo com uma queda nos batimentos cardiacos, e mesmo que o cordão umbilical tenha sido cortado imediatamente após o nascimento ele não precisou de suporte de oxigênio), e o vínculo entre mãe e filho não sofreu uma interrupção brusca. Ambos passaram o dia todo sabendo que estavam se separando para poderem ficar mais juntos em seguida.
Quando a natureza é respeitada, a mulher/parturiente/mãe é tratada com respeito, e o pai participa do parto sem ser excluído no momento mais importante, a história da família continua sendo de amor.
Sandra, parabéns pela força. (Quando fico muito tempo sem te ver, tenho saudades da sua risada. Você tem um tipo de confiança e felicidade que contagia todos à sua volta. Adoro você!).
Marcelo, parabéns pela coragem. Sua participação no dia do parto mostrou a fibra de qualidade com a qual você foi feito/educado.
Frederico: parabéns por ter vindo participar de uma família maravilhosa!
e seja MUITO bem vindo a este lindo mundo.
Vânia C. R. Bezerra.
doula muito orgulhosa por ter participado desta história.
Quem sou eu
- Vânia C. R. Bezerra
- São Carlos (cidade natal), SP, Brazil
- Sou Doula e Psicóloga. Atendo em consultório na Vila Prado em São Carlos SP. Formada em Psicologia pela UFU em 1996, fiz Aprimoramento Profissional em Psicologia Hospitalar pela PUC/Camp em 1998, formação de Educadora Perinatal pelo Grupo de Apoio à Maternidade Ativa em 2004, e Curso de Extensão em Preparação Psicológica e Física para a Gestação, Parto, Puerpério e Aleitamento pela UNICAMP em 2006, onde neste mesmo ano, participei da palestra "Dando à luz em liberdade - Parto e Nascimento como Evento Familiar" com a parteira mexicana Naolí Vinaver Lopez. O que é uma doula? Uma mulher experiente que serve (ajuda)outra mulher durante o trabalho de parto e o pós-parto. Sou doula e psicóloga. Atendendo em consultório particular na Vila Prado em São Carlos SP Contato: vaniacrbezerra@yahoo.com.br (16) 99794-3566
Essa noite do chegada do Fred abriu minha visão para o acompanhamento sem intervenções. Sandra tinha uma indicação de cesárea eletiva, mas optamos por esperar o trabalho de parto. E todos se beneficiaram com isso: Fred percebeu que iria nascer através da ocitocina de sua mãe, Sandra sentiu e viveu o trabalho de parto, Marcelo testemunhou uma mulher no seu apogeu, Vânia e Frê participaram de outra aventura transformadora....e eu novamente me renovei como parteira, como mulher, como amiga, como observadora da beleza que é uma mulher em pleno desabrochar.
ResponderExcluirMaravilhoso participar do processo...em tão boa companhia!!
Um beijo grande, Carla