Doulagem especial, com gostinho diferente, super importante.
A moça me ligou já na reta final da gestação e me contratou como doula. No primeiro dia que fui à casa dela emprestei o carro da minha irmã e atravessei a cidade... quando cheguei na entrada do condomínio pediram a minha carteira de motorista e só aí eu percebi que estava sem a carteira. Liguei pra casa e pedi pro maridão trazer meus documentos, voltei até o meio do caminho para agilizar... resultado, cheguei na casa dela super atrasada... aí conversamos, assistimos um vídeo... de repente o marido com a maior delicadeza e diz assim: "olha, a conversa tá muito boa, mas vcs sabem que horas são"?!
Imagina nosso espanto ao saber que eram quase 11 da noite!
Voltei outro dia para conversamos mais um tantão... e aí, numa bela manhã o marido me ligou dizendo que ela já estava com contrações e já queriam que eu fosse para lá. Como a decisão de procurar informações sobre o parto natural tinha sido tardia, não deu tempo deles assimilarem algumas coisas. E me lembro perfeitamente que a principal dúvida era sobre a segurança da anestesia, e sobre a peridural não ser praticada em São Carlos. Não entendiam como isso é possível.
De qualquer forma, a moça nunca tinha ficado doente a ponto de precisar de uma intervenção maior do que tomar alguns comprimidos... nunca na vida tinha sido internada, nem tomado soro, nada, nada, nada... então ela tinha um certo temor de enfrentar o desconhecido.
Quando isso aconteceu meu marido tinha ido para o Amazonas e eu estava sózinha em casa. O filho só ia pra escola à tarde. Tive que ir até a escola da minha sobrinha, tirá-la da aula e levá-la pra casa para ficar com o meu filho. Dei $ pra eles irem na padaria no final da tarde comprar ingredientes para fazer um lanche, autorizei almoçarem miojo, chamei um táxi e fui para a doulagem. Podem imaginar o quanto isso tudo demorou... quando chegamos no condomínio o marido estava me esperando do lado de fora da casa, um pouco ansioso.
Entramos. A moça estava muito bem, tranquila, sorridente, conversando... tirou algumas dúvidas. Eu espalhei meus apetrechos para quando fossem necessários e fiquei por ali. As contrações ainda estavam um pouco distantes, ela aceitava suco, andava, mantinha-se ativa.
Na hora do almoço o marido saiu e voltou com quentinhas especiais que foi buscar no restaurante dentro da universidade federal, onde eles almoçavam todos os dias e sabiam o cardápio decor. Almoçamos, conversamos... e as contrações foram ficando um pouco mais fortes mas ainda não mais próximas... a tarde caiu, a noite chegou...
Meu telefone tocou e era meu marido, que estava sem família lá nos cafundós da Amazônia. Pedi licença ao casal e saí no quintal, conversei durante algum tempo, olhando a lua que estava enorme no céu.
Tarde da noite a moça começou a ficar desconfortável, não conseguia mais ficar deitada durante as contrações, mesmo estando muito cansada. Ajeitou-se na cadeira de balanço, com várias almofadas para ficar bem confortável e quando vinha uma contração eu e o marido ajudávamos a abaixar as pernas do banquinho e inclinar o corpo para frente, e eu fazia massagens nas costas.
Um pouco depois, após tirar vários cochilos nos intervalos entre as contrações, ela quis tomar um banho e assim fizemos: água quentinha caindo nas costas, apoio incondicional, e espera tranquila. Mas a moça não estava mais tranquila. Estava ficando agitada e muito brava, mas não aquela braveza que é do final do TP e que faz a mulher colocar os pontos nos is e corrigir o que não está ajudando. Ela estava brava com o parto, estava brava porque queria dormir, porque não estava lidando bem com a dor e sabia que não tinha a peridural como uma possibilidade. No meio dessa braveza ela desistiu e deixou claro que não queria mais brincar, queria cesárea. Era pouco mais de 3 da manhã, e eu sabia que o anestesista daquele dia não ficaria feliz em poder ajudar uma mulher em TP no meio da madrugada. Então... uma contração de cada vez, com muita calma, colocamos como objetivo esperar o dia amanhecer. E assim foi feito.
Às 7 da manhã nos encaminhamos para a maternidade, o exame foi feito, ela estava com 5cm de dilatação e ainda haveria um longo caminho a percorrer, mas ela queria o atalho e assim foi feito, com equipe respeitosa, incluindo o anestesista, que naquele dia era do tipo que não vê problemas em mulheres que não agendam cesáreas por considerar essencial pelo menos entrar em TP.
Após a cesárea e após ela estar de volta ao quarto e sentindo-se bem atendida, o marido ainda me levou para casa, apesar de eu insistir que não era necessário, e fez questão de frisar como achou valioso o trabalho de doula, pois isso garantiu a ela o direito de tentar, sem qualquer tipo de pressão ou julgamento caso desistisse. De minha parte, concordo inteiramente com uma colega doula que falou por estes dias: "definitivamente eu sou doula da mulher e não do parto!". Se a peridural estivesse disponível, aí a conversa seria em outros termos. Mas o parto natural é uma vivência intensa demais para ser obrigatória para as mulheres que não a desejam com todas as suas forças. Não quero nem pensar em alguém que depois vai ficar o resto da vida lembrando em como sofreu para colocar o filho no mundo e possivelmente vai falar isso para a criança mais cedo ou mais tarde.
Sou contra cesáreas feitas com argumentos falsos, sou contra médicos que convencem suas pacientes de que a cesárea é melhor que parto, mas também sou contra exigir que uma mulher passe por um parto natural se ela não está afim.
Então, assim foi essa doulagem. Linda também, por que lindos são todos os nascimentos promovidos com respeito pela família.
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