Karen conheceu meu trabalho no grupo de apoio ao parto natural, que começou a frequentar logo no início da gestação.
Quando me contratou deixou claro que tinha mais dúvidas em relação aos cuidados com o recém-nascido, então conversamos bastante sobre isso, mas como sempre, assistimos aos vídeos sobre parto e ela sempre esteve muito tranquila em relação a isso. Sendo veterinária e acupunturista, ela tinha uma visão do parto já bastante esclarecida. Quem tem confiança na mãe natureza geralmente tem confiança na própria natureza também.
Preocupava-me o número reduzido de vezes que eu via o Jr participando dos encontros do GAPN e dos nossos encontros na cada deles, mas ele a acompanhou na oficina de parto e também tivemos o cuidado de marcar a confecção do plano de parto para o período da noite, e assim, quando ela completou 38 semanas eu já estava confiante na participação ativa dele.
Karen entrou em TP quando estava com 40 semanas e 6 dias. Ela me ligou às 14h30, eu estava prontinha para sair de casa, então só precisei desmarcar o compromisso e pegar a mochila de doulagem. Cheguei à casa dela em quinze minutos. Ela mesma abriu a porta, me recebeu muito tranquila, sorridente. Logo dispensou a empregada, e ficamos sózinhas. Subimos para o quarto e quando vinham as contrações ela se apoiava na parede e balançava os quadris. Daí a pouco eu já providenciei a bolsa de água quente.
O Jr estava trabalhando e pediu que eu confirmasse que era mesmo trabalho de parto antes dele vir. Em meia hora, mais ou menos, eu já liguei pra ele e pedi que viesse para casa, pois as contrações já estavam ficando bem próximas e os pais também precisam de tempo para adaptarem-se à frequência das contrações. Sempre penso que um erro enorme que algumas maternidades cometem é que depois de manterem os pais afastados durante o TP os deixam entrar quando a criança está quase nascendo. Aí eles chegam quando a mulher já está fazendo força, contrações longas... para quem nunca viu pode ser um quadro assustador e é daí que alguns pais acabam desmaiando na sala de parto. É necessário que os pais que querem estar presentes o façam desde o início do TP.
Rapidamente ele chegou em casa, e passou a participar, amparando-a durante as contrações, fazendo massagem, ficando junto quando ela entrou no chuveiro. Karen vomitou várias vezes, e a preocupação de que ela começasse a sentir-se fraca começou a me rondar. É difícil ficar insistindo que elas comam alguma coisa quando começam a ficar muito nauseadas. No entanto, a Karen não teve essa dificuldade. Ela continuou tomando água aos goles, comeu alguns pedaços de banana, tomou um suquinho.
Às quinze e trinta a bolsa rompeu e ela me chamou para ver o líquido. Estava verde, mas achei que estava bem diluído e não me preocupei. Deixei passar algumas contrações antes de ligar para a Dra Carla contando o que estava acontecendo. Ainda ficamos em casa por mais uma hora. Só quando as contrações firmaram de dois em dois minutos é que fomos para a maternidade. Marquei 16h22 16h25 16h27 16h29 16h31 16h33 Aí começamos a colocar as malas no carro e fomos com bastante calma para a maternidade.
A dilatação ainda não estaria muito avançada, mas com a presença do mecônio a Dra. Carla queria que os batimentos cardíacos da bebê começassem a ser monitorados com maior frequência, e assim foi feito.
Na internação não foi feito o exame de toque. A presença do mecônio o torna mais desaconselhável ainda.
Fomos instalados no quarto maior, com o maior banheiro, que fica no meio do corredor. Logo inflei a banheira e a coloquei para encher. Às 17h50 foi feito o primeiro toque, que constatou 9 cm de dilatação. Em seguida ela entrou na banheira e ficou lá durante um bom tempo. Eu coloquei um pedaço de mangueira grossa drenando a água da banheira para o ralo, e o chuveiro ficou aberto, de modo que a água era renovada o tempo todo. Mesmo assim pudemos observar que a água ficava cada vez mais verde.
Karen não se abalou, estava na partolândia, muito tranquila, e mantínhamos a confiança de que tudo se encaminharia bem. Os batimentos cardíacos da bebê não tiveram qualquer alteração importante, mantendo-se sempre dentro do esperado. A dilatação se completou e continuamos esperando.
Três horas depois mais um exame de toque, no qual a médica chegou a pensar que a bebê tinha virado e estava sentada. Já havia essa suspeita porque a ausculta era feita acima do umbigo. (Uma das formas de sabermos que o bebê está descendo no canal de parto: se de tempos em tempos o coração está mais baixo, isso só pode significar que o bebê está mais baixo. Bem no finalzinho do expulsivo o coração do bebê está na altura da linha dos pelos pubianos, o que indica que a cabecinha logo vai começar a aparecer lá embaixo).
Então... se o coração da Sofia estava acima do umbigo da Karen, ou estava muito alta ou tinha se virado e agora estava sentada. E foi exatamente isso que pareceu quando ao tentar tocar a cabecinha da bebê, Dra. Carla encontrou uma estrutura macia. Mas ao continuar tocando para se certificar, Dra Carla percebeu que não, a bebê estava mesmo era muito alta e a estrutura macia era a bossa que estava se formando. Então fizeram um acordo de esperar mais um pouco, e quando a Karen sentisse que havia algo diferente ou quando não aguentasse mais, fariam outro toque e tomariam uma decisão.
Era 21h15. Saí um pouquinho e fui quase correndo até a padaria comer alguma coisa e tomar um suco. Tudo que eles não precisavam era de uma doula desmaiando de fome... o casal estava tão sintonizado e unido que mal perceberam a minha falta. Cheguei de volta e encontrei o Jr apoiando a cabeça da Karen na beirada da banheira, exatamente como estavam quando eu sai. E ainda demorou um pouco até ela chamar a Dra Carla. O resultado do toque continuou igual, e decidiram-se pela cesárea.
Quando estavam reunindo a equipe, Dra Carla ligou pessoalmente para o anestesista de plantão e explicou que era um trabalho de parto natural que não tinha evoluído, mais de 3 horas de dilatação completa... de repente ela parou de falar, olhou em volta com cara de espanto e disse:
- “Ele desligou na minha cara! E agora?”
E a enfermeira respondeu:
- “Então ele vem. Quando não vem ele logo deixa bem claro, falando um monte de palavrões e completando com um “se vira!”.
Com isso o clima deu uma desanuviada pois quase todo mundo começou a rir... mas me diz se não era uma situação para chorar?
O Jr não quis entrar para acompanhar a cirurgia e entrei devidamente acompanhada da máquina fotográfica para registrar os primeiros momentos da Sofia neste nosso lindo mundo. Mas como já tinha visto o nível de profissionalismo do anestesista, nem cogitei a hipótese de ficar ao lado dela. Uma das berçaristas me avisou: “se ele ver você aí, vai te colocar pra fora aos berros”.
Logo a Sofia estava do lado de cá da barriga, e fui acompanhar o primeiro atendimento da pediatra. Fiquei o tempo todo me escondendo do anestesista, passando abaixada diante da janelinha das portas, e consegui tirar várias fotos. E estava ao lado da bebê segurando a mãozinha dela quando ele passou no corredor, já de saída, e eu quase me joguei no chão!
Tragicômico! Pensar que a lei do acompanhante já tinha mais de 5 anos!
Depois dele sair eu fui ficar com a Karen. Assim que cheguei e dei um beijo nela, ela disse:
- “Jamais passou pela minha cabeça que eu precisaria de uma cirurgia... o anestesista foi tão grosso! Eles não conseguem esperar a contração passar para fazer os procedimentos! A enfermagem também, nossa... a sondagem doeu muito”!
Fiquei ali com ela, consolando, conversando...
Fiquei ali com ela, consolando, conversando...
A essa altura eu já tinha ligado para o Jr e avisado que tinha nascido, estava tudo bem, tinha dado tudo certo (do ponto de vista físico), etc... lidar com a dor emocional da cirurgia e do atendimento frio dentro do centro obstétrico é outra coisa... Quando Karen foi levada para o quarto o Jr já tinha ido correndo até em casa, tomado um banho, comido alguma coisa... de modo que estava pronto para passar a noite com elas.
Cheguei em casa perto da meia noite. A tranquilidade de que tudo que podia ser feito foi feito dá lugar a um sono tranquilo. Mas com certeza seria mais tranquilo se ela tivesse sido bem tratada dentro do centro cirúrgico.
Quando fui visitá-la ela estava bem, andando já sem muita dor no corte, e a amamentação estava tranquila.
Estavam naquela fase de achar que a bebê nunca mais vai parar de mamar, porque como os recém-nascidos se cansam logo e o leite materno tem a absorção muito rápida, a impressão que a gente tem é que acabaram e mamar e já querem de novo. Já que essa também é uma fase importantíssima do desenvolvimento emocional do bebê, o melhor que se faz é dar o peito toda vez que o bebê quiser. Isso, na minha opinião, é livre demanda: se a demanda é fome, sede, ou necessidade de estar junto, não importa. Se a mulher percebe claramente que o bebê está “xupeitando” então pode tentar tirar o peito mas ficar com o bebê no colo mais um pouco, sem tentar colocar no berço, carrinho ou bebê conforto imediatamente. Senão o resultado é sempre o mesmo: choro que sinaliza: “não quero ficar sozinho”.
Karen estava fazendo tudo direitinho! E como a confiança de que a cesárea foi bem indicada era certa, ficamos vendo fotos e curtindo a bebê. Linda!
Karen, parabéns pela confiança, perseverança e sabedoria. Sua tranquilidade foi fundamental para que a Sofia pudesse receber as ondas do hormônio do amor durante várias horas antes de ser nascida.
Jr, parabéns pela presença e companheirismo.
Sofia, seja sempre bem vinda! Muita saúde, sempre!
Beijos,
Vânia Doula.
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