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São Carlos (cidade natal), SP, Brazil
Sou Doula e Psicóloga. Atendo em consultório na Vila Prado em São Carlos SP. Formada em Psicologia pela UFU em 1996, fiz Aprimoramento Profissional em Psicologia Hospitalar pela PUC/Camp em 1998, formação de Educadora Perinatal pelo Grupo de Apoio à Maternidade Ativa em 2004, e Curso de Extensão em Preparação Psicológica e Física para a Gestação, Parto, Puerpério e Aleitamento pela UNICAMP em 2006, onde neste mesmo ano, participei da palestra "Dando à luz em liberdade - Parto e Nascimento como Evento Familiar" com a parteira mexicana Naolí Vinaver Lopez. O que é uma doula? Uma mulher experiente que serve (ajuda)outra mulher durante o trabalho de parto e o pós-parto. Sou doula e psicóloga. Atendendo em consultório particular na Vila Prado em São Carlos SP Contato: vaniacrbezerra@yahoo.com.br (16) 99794-3566

quarta-feira, 27 de maio de 2009

O texto abaixo, do psiquiatra José Angelo Gaiarsa foi um dos primeiros que me chamaram a atenção para a necessidade de mudanças no cenário do nascimento. Eu já tinha lido o "Nascer Sorrindo" do Dr. Leboyer, mas na época eu estava na faculdade, e achei que misturar poesia com ciência "não dava liga". Hoje reconheço a importância que o Dr. Leboyer teve para o início destas mudanças pelas quais trabalho.

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O CRIME GRITANTE CONTRA A HUMANIDADE QUE SÃO AS MATERNIDADES

"Trata-se de um crime de má fé, não de simples ignorância, porque o obstetra tem uma boa idéia dessas coisas e de outras também. Um bichinho qualquer ficou lá dentro meses, em simbiose autêntica. Sai o filhote e a fêmea está em volta, a primeira coisa que ela faz é lambê-lo inteiro, depois come a placenta, fica junto e aquece, dá de mamar. Ela fica lá o tempo inteiro, e essa é a maior garantia de sobrevivência e saúde da mãe e da espécie. Vamos lembrar mais coisas sobre chimpanzés. Eles estão muito próximos de nós, apesar da diferença de aspecto físico. Dizem os estudiosos o seguinte: a diferença cromossômica entre nós e os chimpanzés é de 1%. A diferença de composição das proteínas é de 1%, embora esse número seja difícil de esclarecer; a história evolutiva do chimpanzé é 99% igual à nossa. Portanto, nossa diferença em relação aos chimpanzés é bastante limitada. Vamos deixar isso dito porque vou falar muito sobre chimpanzés, e alguém vai dizer: "Mas eu não tenho nada a ver com chimpanzés". Estou mostrando que tem, e muito.

Então voltemos à maternidade, cujo crime básico é: nasceu a criança, afasta da mãe. Eu não sei como é que se pode inventar uma coisa dessas. Nos ambientes médicos se diz que, quando o sujeito não tem vocação para médico ele se torna parteiro, porque 97 vezes em cem a criança nasce muito bem, obrigado. Algumas maternidades hoje em dia permitem - se a mãe quiser - que o filho fique junto dela. Mas, depois de ouvir esta notícia, as conversas continuaram, e algo mais foi se esclarecendo. É verdade, a proposta é feita, mas não é facilitada. É feita formalmente, compreende? Mas as caras e os jeitos estão dizendo: "Olha, não queira ficar, viu? Lá no berçário ele fica bem. Nós sabemos cuidar dele melhor do que você. Afinal, é seu primeiro filho, e você está fraca e cansada...". Epílogo tristíssimo: a maior parte das mães prefere que o filho fique longe. A meu ver, um sinal claro de degeneração do instinto maternal produzida pela tecnologia hospitalar e por mil preconceitos descabidos contra o contato. Não que ele seja proibido, não. É apenas sutilmente desvalorizado. Nós somos muito parecidos com o canguru (e todos os marsupiais) num ponto. Vocês sabem que os cangurus nascem duas vezes. A primeira, minúsculo, nem sei como consegue rastejar entre os pêlos e dobras de pele até chegar à bolsa marsupial. Lá, gruda numa tetinha elástica, ficando em contato muito íntimo e muito demorado com ela durante meses e meses. Os marsupiais têm dois úteros, o útero propriamente dito, onde o filhote é gestado, e a bolsa marsupial, também chamada de útero externo. O ser humano é igualzinho ao canguru, só que a bolsa marsupial do nenê são os braços, o colo e o aconchego - o contato permanente com a mãe. E precisa estar. Vocês sabem que o ser humano nasce e permanece muito tempo frágil e desamparado. Comparem esta história com a de um herbívoro, um búfalo, um cavalo. A fêmea dá a luz andando; o filhote, ao cabo de quinze, vinte minutos, começa a se por em pé, com todas aquelas varinhas espetadas, não sabendo bem manejá-las para andar. Mas é essencial que daí a não muitos minutos ele esteja em pé, porque, se em vez de quinze minutos ele levar 25, a fêmea o abandonará a fim de não se separar da manada, que é sua melhor proteção. Ele tem que aprender depressa a acompanhar o rebanho porque senão a onça pode comê-lo! Ao cabo de duas horas ele é um adulto pequeno, já tem liberdade - e controle - de movimentos. Pode correr, fugir. Pode acompanhar a mãe e a manada. Está seguro. No começo da vida, um ser humano não sobrevive de jeito nenhum se não tiver um adulto em volta. E durante muitos meses é assim. Ele só vai andar com um ano de idade, a idade da autonomia - ou começo da liberdade. Agora ele sabe alguma coisa de essencial para sua vida. Sabe chegar aonde quer e fugir do que não quer. Nessa hora é que se estaria saindo da bolsa marsupial. É aí, por volta de um ano, que a criança humana é uma criança. Até essa idade é um feto. Até seu aspecto é de um feto - cabeça grande, tronco menor, membros minúsculos. Separá-la da mãe é um crime inominável. Pelo amor de Deus, se alguém aqui vai dar à luz, segure seu filho perto, mesmo que não saiba o que fazer. Melhor que ele fique perto, desesperado, do que num berçário tranqüilo, aliás, nem é tão tranqüilo. Depois tem todo o resto da história dos berçários, mamadeiras com lactose (açúcar) para que ele pare de chorar, se envenene, perca a fome - e resmungue na hora de mamar.

Minha primeira mulher era médica, trabalhava na maternidade onde deu à luz, não foi nem um pouco bem tratada. E ela era médica de lá! A mesma gritaria, a mesma palhaçada de ordens contraditórias: "Faça força", "empurre". Na sala ao lado tem uma xingando o marido. "Desgraçado... nunca mais"... A cena do nascimento humano às vezes é um horror. Vejam, não é uma opinião minha; a sociedade seria uma espécie de organismo vivo. Instituições, costumes e preconceitos não surgem por acaso, nem isolada nem independentemente. Entre nós o nascimento imprime, no fundo, a noção de que este mundo é perigoso - muito. Preciso fazer tudo o que me disserem e ficar bonzinho para sobreviver. Estou num mundo mais do que inimigo. Nasci do calor para o frio, do silêncio para o barulho de gritos e berros, do macio para o duro, do acolhedor para a solidão.

Um bom amigo acompanhou o nascimento da segunda filha. Como era médico, deixaram-no ficar. E ele descreveu claramente a enfermeira padrão da sala de parto, que é um monumento de insensibilidade. O que ela menos gosta na vida é de criança; está "farta" de ver bebê chorando e mãe berrando e tudo o mais. Ela pegou a criança, era um dia frio, pôs um pano finíssimo sobre a balança, que é uma lâmina de aço inox, e, sobre o frio da balança, pôs a recém-nascida nua. Natural, é preciso pesar, é a balança, tudo lógico, tudo bem explicado - a gente sempre explica tudo. E assim deixa tudo como está. Voltam para casa e, um ou dois dias depois, meu amigo chega perto do berço e percebe que a menininha está com as costas encurvadas para não encostar no colchão. Ele percebeu na hora - Graças a Deus, graças a ele, ou até graças a mim, que lhe mostrei muito dessas coisas. O que ele fez? Pôs a mão sob o dorso da criança, mão quente, macia, gostosa. Fez força para cima, um pouco, até a criança perceber o apoio. Aí ele foi descendo a mão devagar, e ela foi descendo as costas junto até encostar na cama. Ao ser posta sobre o frio do aço inox, ela endureceu e encurvou as costas para evitar o contato gelado. E ficaria assim não sei até quando se ele não tivesse percebido. Ela começaria com um desvio de coluna no primeiro dia de vida! O ser humano é extremamente delicado, não só desamparado mas também muito sensível. Precisamos aprender a cuidar muito melhor das crianças".

GAIARSA, José Ângelo- AMORES PERFEITOS - oitava edição - Editora Gente - São Paulo, 1994 - páginas 94 a 97

Um comentário:

  1. aiiiiiiiii... arrepiei e cheguei a chorar no final desse texto... demais.
    bjs

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