Depois me lembro dela gravida e dela contar que aquele bebê não ia chegar. Ela veio em uma roda de acolhimento à perda gestacional em São Carlos, me chamou, eu fui, ela contou a história dela. E a facilitadora da roda disse que ela havia processado muito bem, que o acolhimento estava feito e não via nada a ser trabalhado. Abriu a roda para partilhas e acabou que a constelada daquele dia fui eu!!!!! Constelamos uma perda gestacional da minha mãe. Naquele dia minha irmãzinha que não chegou passou a ter um nome e um lugar reconhecido na família.
Esse é o nível de convivência e intimidade que eu já tinha com a Telma antes dela me ligar dizendo:
- "Vânia, eu estou grávida de novo, estou muito feliz. Pensei bastante, eu quero uma doula e gostaria que fosse você... eu sei que você divulgou que não está mais doulando, mas..."
E eu respondi: Siiiiiiiim, eu aceito doular você!
Nem perguntei onde quando nem quem seria o médico! nada! Pura emoção, sentimento e gratidão ao universo por poder responder Siiiiiiiiiiim!
Final de abril 32 semanas - ultrassom bebê bem, liquido ok placenta ok porém diabetes gestacional. Regrar a alimentação mas a médica preferiu entrar com a insulina também. E vamos em frente.
Cadastro na maternidade feito e confirmado.
Protocolo de diabetes gestacional : induzir com 39 semanas. E uma diferença de 1 semana no calculo pela DUM 38 semanas do cálculo pelo ultrassom 39 semanas. Mais conversas sobre o plano de parto.
03 de junho e uma mensagem: "Flor, olha só ... o exame hoje deu restrição de crescimento e a médica disse que para 37 semanas ele está muito pequeninho... avaliam que agora é melhor nascer. Fizeram já o descolamento de membranas e me deixaram vir pra casa buscar as coisas, já fiz minhas orações... e estou voltando para internar e começar a indução. Te aviso quando eu estiver com 6cm aí vc vem. Beijos".
Bem tranquila na mensagem. Respondi que estaria atenta e assim passou a noite. Acordei algumas vezes, olhava o celular, sem mensagens, voltava a dormir.
Ligou às 7h40 do dia 04/06 - dizendo que as contrações estavam regulando, já fortes, que já estava com 6 cm e MUITO BRAVA!
- "Vânia, eu estou muito brava!! Se vc quiser nem precisa vir, vê aí o que vc quer fazer e me avisa, se não quiser nem precisa vir porque eu estou muito P da vida, não respondo por mim".
Eu já contei pra vcs que quando fica muito brava eu tenho certeza que nasce? (Mas também teve uma vez que a moça estava suuuuper tranquila, aí ela olhava pra mim e dizia: Vânia, eu não estou ficando brava, será que não vai nascer? E nasceu lindamente.)
Bom, eu segurei a vontade de rir, respondi - Claro que eu vou! e sai catando as coisas que já estavam ajeitadas, me troquei e me coloquei a caminho. o Raul emprestou o carro dele, deixei ele no trabalho e me encaminhei pra Araraquara. Achei a maternidade, pensei que tinha achado um estacionamento da maternidade, era de uma imobiliária, kkkkk, andei mais um pouco, achei um aberto, cheguei! Cadastro verificado, crachá de doula e achei o quarto. Entrei.
Gelson na cadeira perto da porta do banheiro, e ela no chuveiro.
A Vânia chegou.
"Aiiiii Vâniaaaaa eu to muito brava, e to com medo de começar a xingar"...
E eu: - Pode xingar a vontade, depois vc pede desculpas, fica tranquila!
Seguimos com mudanças de posição, muita música da playlist feita previamente por ela, um pouquinho de incenso, massagem, sorrisos, orações, apoio, lembranças, risadas, mais contrações, chuveiro. Ela levou galhinhos de alecrim e de lavanda, às vezes pegava. Comia as coisinhas que levou para comer. E vamos seguindo.
Enviamos essas fotos para a Kátia e ela respondeu: "ontem, exatamente 15 anos atrás você participava do nascimento do Enki! Te amo sempre!"
Sem palavras para expressar o que trilhar esses caminhos com essas mulheres recebendo seus bebês significa para mim. Amor, gratidão, humildade, sentido da vida, admiração infinita, tudo isso e muito mais. Amo muito e agradeço sempre.
Ao longo do dia a dilatação foi verificada poucas vezes, na verdade só quando ela pedia, solicitou analgesia, houve negociações, explicações, muito incentivo, mudança de posição, muita conversa, aceitação da analgesia. Mas entre o aceite e levarem para o centro cirúrgico demorou um pouquinho.
Nesse intervalo o diálogo mais engraçado, entre ela e a técnica que ajeitou o soro, mediu P.A. e glicemia, etc, saindo do quarto pergunta: - "Vc quer mais alguma coisa"?
Telma: Eu quero matar alguém!
Técnica: "Isso não vai ser possível." e saiu calmamente fechando a porta com cuidado.
Esse é o profissionalismo que eu fico imensamente grata quando presencio.
A parte de ir para o centro cirúrgico foi tensa porque ela queria muito que eu entrasse também mas não foi permitido e ela ficou mais brava ainda. Uma pessoa podia entrar, então lógico que seria o Gelson. Conversei ali dizendo que nessa hora não valia a pena brigar, deixar a briga pra depois e naquela hora ir buscar seu bebê. Eu estaria no quarto esperando. Ela soltou a minha mão , entraram e voltei para o quarto.
Informaram a mudança de quarto, peguei as coisas todas, levei para o quarto indicado em outro andar, já tinha uma mulher lá com a família e o bebê já nascido. Ajeitei as coisas nos armários, me sentei para descansar as pernas. Não ouvi quando o Gelson mandou mensagem e nem quando ele ligou! Daí a pouco ele apareceu no quarto dizendo que estavam de volta lá no mesmo quarto no centro obstétrico e a indução continuaria. Alguém disse que foi a primeira vez que após uma analgesia a parturiente voltou para dar continuidade ao trabalho de parto no quarto.
Pegamos as coisas todas e voltamos para o quarto anterior. Ela muito feliz dizendo: - "Vânia, estou outra pessoa! Agora até consigo dizer como vc está bonita!!!"
Seguimos com sorrisos e conversa amena, lembranças e risadas.
Para mim as refeições acabaram sendo um problema, ao ponto da Telma olhar pra mim e dizer "Eu tenho que te alimentar". O Gelson saiu pra buscar lanche pra mim mas também não permitiram entrar, então sai e fui comer na praça em frente à maternidade. Aproveitei para mudar o carro de lugar pq o estacionamento ia fechar. Tudo certo, de volta ao quarto, massagens e palavras de incentivo.
As contrações seguidas, a dor voltando porque o efeito da analgesia foi passando. Telma ficando brava de novo. Como assim tá doendo de novooooooooooooo?! Pedido de cesárea, resposta de que a cesárea não podia ser à pedido neste caso, mais conversas. Tempo passando, corpo trabalhando, e a chegada dos esperados puxos.
E essa foi a posição em que ela se ajeitou para o expulsivo.
Nessa parte do quase nascendo ela começa a dizer "Não tá nascendo, vocês estão me enrolando, eu to com vontade de fazer força mas não é bebê!" Respondi: - Telma, vc é doula faz quanto tempo? É o bebê sim!"
Abaixei a cabeça e pensei "aff, exagerei, passei do ponto, agora fui eu que fique brava, vou ter que pedir desculpas depois". :P
Mas contrações, já estamos vendo o bebê. ela perguntou quanto falta? Respondi 10 minutos. Não deu nem 2, na próxima contração nasceu.
Gelson cortou o cordão, ela precisou de um tempinho para se virar na cama, respirar, olhar para o bebê e dizer me dá ele. Em todo esse tempo foi acolhida e apoiada, bebê sendo atendido, observado, tudo certo!
Família reunida, todos do mesmo lado.
Mais uma vez e sempre: gratidão imensa pela oportunidade e honra de estar presente. Beijos e abraços!
VâniaDoula.
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