Mulheres de classe média optam pelo parto domiciliar
No ano passado, região registrou 44 partos em casa, sendo 13 deles em Ribeirão Preto; médicos não apoiam a medida.
Psicóloga precisou buscar ajuda em São Carlos; esse tipo de parto demanda persistência e muito planejamento do casal.
A arquiteta Carolina Maistro como filho de três meses Ivan, no apartamento dos avós do garoto
LIGIA SOTRATTI
DA FOLHA RIBEIRÃO
Se dar à luz em casa foi, no passado, a única alternativa para a maioria das mulheres, hoje, a decisão de ser mãe no conforto do lar é uma opção para um grupo seleto de mães de classe média. Com pouco apoio da classe médica, a decisão requer persistência, planejamento de todas as etapas -inclusive um plano "B"- e investimento de cerca de R$ 3.000.
De acordo com levantamento divulgado na semana passada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), na região foram realizados 44 partos domiciliares em 2008. Em Ribeirão Preto, 13 bebês nasceram em casa.
Antônio faz parte dessa estatística. Em março de 2008, ele nasceu em casa graças à insistência de sua mãe, a psicóloga e artista plástica Isabela Mosca Pereira. "O parto normal sempre foi uma vontade. Quando resolvi ter meu filho em casa, eu e meu marido começamos uma maratona para achar alguém que aceitasse fazer."
Sem opções na cidade, a ajuda veio da enfermeira obstetra Jamile Claro de Castro Bussadori, 34, de São Carlos.
"Para ter um parto domiciliar, é preciso uma gravidez de baixo risco, ou seja, uma gestação sem problemas, e que mãe e bebê estejam bem. Depois da questão de saúde, é preciso trabalhar o lado emocional. É essencial que a mulher conheça o seu corpo para estar tranquila na hora do parto", disse Jamile.
Jamile carrega os instrumentos necessários ao parto e a banheira em que a parturiente vai dar à luz e diz sempre ter um plano "B" traçado. "Discutimos tudo antes, o hospital que a mãe será encaminhada, caso haja alguma alteração, e até o trajeto do deslocamento."
Mesmo com os cuidados, o coordenador de obstetrícia do HC (Hospital das Clínicas), Geraldo Duarte, não recomenda o parto em casa. "Se no momento mudarem as condições, para onde vai essa gestante? Vai ter vaga no hospital? Vai ter um obstetra à disposição? Para qualquer complicação de obstetrícia é preciso um hospital e um médico", afirmou.
Outra opinião tem a médica ginecologista Betina Bittar. Desde 1997, ela trabalha em São Paulo fazendo partos domiciliares. Ela admite que a opção é mais difícil, mas é viável.
"Levo todo equipamento, oxigênio, soro, alguns remédios, material de entubação. A gente sabe que pode terminar no hospital. Mas, segundo a minha experiência, isso é raro."
Isabela diz que as aulas de ioga e a intimidade com o próprio corpo contribuíram para um parto tranquilo "Fiquei 25 horas em trabalho de parto e não foi cansativo. Foi bonito e especial. Se puder, quero ter o próximo da mesma maneira."
A arquiteta Carolina Maistro, 30, que teve o bebê em casa em agosto, também quer repetir a experiência.
OMS recomenda só 15% de cesáreas; aqui chega a 88%
Profissionais dizem que exagero se deve à conveniência dos médicos e pacientes.
"Desinformação é o que leva a maioria das mulheres a não considerar o parto natural como a primeira opção", diz enfermeira.
"Desinformação é o que leva a maioria das mulheres a não considerar o parto natural como a primeira opção", diz enfermeira.
O número de crianças que nascem de modo natural tem caído ano a ano no país. Profissionais da área da saúde e mães apontam que a principal causa do aumento das cesáreas é a conveniência -para médicos e pacientes- e o medo da mulher de sentir dor.
De acordo com o Ministério da Saúde, 40% dos partos cesarianos no país são desnecessários. O índice recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) é de 15%. Na maternidade Sinhá Junqueira de Ribeirão Preto, esse índice chega a 88%. Neste ano, em média, o hospital realizou 300 partos -somente 12% deles foram normais.
Para o coordenador de obstetrícia do HC (Hospital das Clínicas), Geraldo Duarte, o alto índice de cesáreas é pura comodidade. "É culpa do médico e da população. É mais tranquilo para o médico em termos de tempo e para a mulher, que não vai ter que fazer tanto esforço. A cesárea é feita com hora marcada e termina em até uma hora. O parto natural leva, em média, de oito a nove horas de trabalho intenso", afirmou.
Para a enfermeira obstetra Jamile Claro de Castro Bussadori, que faz parto normal em domicílio e em hospital, a desinformação é o que leva a maior parte das mulheres a não considerar o modo natural como a primeira opção.
"As mulheres têm medo, principalmente devido àquele estigma de que o parto é um sofrimento e aos relatos de avós e mães que tiveram muitas dores para dar a luz", disse.
Para a ginecologista Betina Bittar, que realiza partos domiciliares e hospitalares, há várias explicações para o elevado número de cesáreas.
"Mulheres foram muito maltratadas e desassistidas e passaram a outras gerações essa experiência ruim. Somado a isso temos uma classe médica mal remunerada que não incentiva esse tipo de parto porque absorve mais tempo e disponibilidade do profissional. Em vez de fazer vários procedimentos, o médico pode passar um dia todo com a parturiente. Tem também a questão da mulher não se sentir capaz. É um conjunto", afirmou.
Ricardo Carvalho, ginecologista da HC e docente da USP (Universidade de São Paulo), afirma que é preciso um equilíbrio. "Até que se prove o contrário, a indicação deveria ser normal. A cesárea deveria ter uma justificativa médica, como o feto estar em sofrimento ou sentado, entre outros problemas", afirmou.
No entanto, a escolha pelo parto normal tem entraves. "Uma questão cultural que dificulta é que a mãe quer que o médico que fez o pré-natal realize o parto. Como no modo natural não tem horário e nem dia para nascer, pode ser outro profissional de plantão. Muitas vezes, isso leva a mãe a agendar a cesárea para ter o mesmo médico", disse.
Entre as vantagens do parto normal apontadas pelos médicos ouvidos pela reportagem está a recuperação mais rápida da mãe e a menor incidência de problemas como depressão pós-parto e desmame precoce.
Arquiteta de Florianópolis tem o filho na casa da sogra
A arquiteta Carolina Maistro, 30, desde que descobriu a gravidez, estava determinada a ter seu bebê em casa, em Florianópolis. Aos sete meses, resolveu visitar a família em Ribeirão, sua terra natal. Foi, então, que o bebê resolveu nascer.
"Quis passar por todo o processo, mas não esperava que fosse na casa da minha sogra. Não vou dizer que não senti dor, dói e muito. Mas eu estava calma e saber o que está acontecendo com meu corpo amenizou. Foi como eu imaginava."
Ao oito meses de gestação, a professora de educação física Tatiana Bierrenbach Carreiro, 29, já se decidiu. "Aguento bem a dor e não gosto da ideia de hospital, de não ficar com meu filho nos primeiros momentos. Meu marido é médico e, desde o começo, foi a nossa opção ter o bebê em casa", conta.
Com parto previsto para o fim de dezembro ou começo de janeiro, a futura mãe se diz preparada. "Fiz oficina para gestantes e vi que trocar histórias, medos e expectativas com outras mulheres é muito importante. Estou bem segura da minha decisão", afirmou.
Para não preocupar a família, ela adiou a comunicação de seus planos. "Não quero que o pessoal fique preocupado e ansioso. Depois eu te conto."
Parteira que se aposentou apoia o procedimento
Longe de mulheres grávidas há 17 anos, a parteira aposentada Thereza Garófalo, 72, é favorável ao parto normal e lembra com carinho da época em que ajudava bebês a nascer.
"Passei a minha vida toda em hospital e foi lá, fazendo cursos, que eu comecei. Quem abraça a profissão na área de obstetrícia e tem amor a isso, vive muita emoção. É um momento muito bonito", afirmou.
Entre as crianças que trouxe ao mundo está o neto, hoje com 35 anos. Ela diz não se lembrar do total de partos que já fez.
"Foi muita gente, a maioria parto normal. Acho uma pena isso ter mudado, a cesariana é uma boa alternativa quando as mães não têm condições para o modo natural, quando há dificuldade. Mas hoje ninguém nem mais tenta parto normal e já agenda a cirurgia", disse.
Thereza lamenta o desaparecimento do seu ofício. "Hoje ninguém valoriza mais. Na minha época, eu trabalhava em parceria com o médico. Acompanhava a parturiente, relatava a situação para o médico. Era um trabalho de orientação e apoio à gestante", disse.
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