Conheci a Naiara há mais de 12 anos, em cursos que fazíamos na cidade de Dourado. Foram muitas caronas, encontros, filas, danças, risos, gritos, desafios e entendimentos, com uma trilha sonora que ia desde musicas de ninar bebes até Tropa de Elite cantada aos berros. Era do 8 ao 80 ida e volta varias vezes! Naiara me acompanhou em varias vivências importantes e me cuidou várias vezes, incluindo a da passagem da minha mãe.
Depois de algum tempo em que frequentávamos esses ambientes ela já tinha me ouvido falar das doulagens, e dai pra frente toda vez que nos encontrávamos ela dizia: - “Chegou a minha doula”. E me apresentava para as pessoas dizendo isso: que eu seria a doula dela.
Vida seguiu, os treinamentos mudaram, depois pararam e já não nos encontrávamos há bastante tempo. E nesse tempo eu parei de doular. E depois voltei. Naiara se casou e se mudou pra longe. E voltou. Na primeira gestação dela o bebê não chegou. E a segunda gestação avançando mas com riscos se apresentando, ela voltou para São Carlos.
Assim recebi sua primeira mensagem em novembro dizendo:
- “Estou bem! Gravidinha de 13 semanas. Depois de uma perda gestacional no meio do ano”.
Explicou que ficou com alterações na saúde depois que teve covid e que estava fazendo o acompanhamento dessas condições: pressão alta e diabetes. Perguntou se eu já tinha atendido casos assim. Enfim trocamos algumas mensagens e combinamos um encontro para uma conversa, junto com a mãe dela, que eu também conhecia desde os tempos dos bons treinamentos.
Fui à casa delas, conversamos bastante e ficamos as 3 muito felizes. Doula contratada, combinamos o inicio da preparação para depois das festas. No dia 07 de janeiro trocamos mensagens, ela reservando uma data no final daquele mês, quando o Thiago - pai da bebê - estaria por aqui.
Mas aí no dia 09 de janeiro eu errei o passo descendo um degrau, espalhei do chão, quebrei o pé e trinquei o cotovelo! Não podia ser só um tombo, tinha que ser o espetáculo completo! Lá fui eu aprender como é estar em cadeira de rodas e chegar nos lugares com degraus e portas pequenas.
Mandei mensagem explicando que graças a Deus não precisei de cirurgia, mas ficaria um tempo saindo de casa o mínimo possível. E também expliquei que no início de maio eu iria a Uberlândia para um encontro de 30 anos de formatura. Naiara me respondeu que ficasse tranquila porque neste mesmo fim de semana ela iria a uma festa da família da avó materna. Da metade de maio pra frente estaríamos a postos aguardando a chegada da bebê. (40 semanas: 02 de junho).
No final de janeiro quando Thiago veio, eu ainda não estava atendendo nem on line porque pouco tempo sentada já sentia a perna inchando dentro do gesso.
O primeiro encontro de preparação, no inicio de fevereiro - fizemos on line - eu, na minha casa, Naiara e Solange da casa delas e o Thiago lá no Para. Desse encontro me lembro do temor que a bebê fosse grandona, e eu explicando que bebês grandes nascem. Já acompanhei vários com mais de 4kg, o meu mesmo tinha 3.660kg. Se os pais são grandes os bebês também podem ser e não há problema nisso.
No final de março, chá de bebê, muito amor, muitas borboletas, eu preparada mas não consegui ir pq fiquei doente no dia.
Tentamos ir conhecer a maternidade juntas, porque eu não tinha doulado lá depois de uma grande reforma. Marcamos de ir no dia 09 de maio, depois que ambas tivéssemos voltado de viagem.
Mas a vida se adiantou. No dia 10 de abril Naiara me avisou que sua pressão tinha batido 17x10 e ela tinha passado uma noite internada. Agora estava bem, em casa, e me avisou que durante sua internação tinha visto na parede um quadro informando que doulas e fotografas tinham que fazer uma atualização de treinamento para poderem atuar. Liguei no número indicado e agendei meu treinamento para o dia 23 de abril. E marcamos os encontros sobre o plano de parto, amamentação e primeiros cuidados com o bebê para o inicio de maio, depois que nós duas tivéssemos voltado de viagem.
No dia do treinamento fui muito bem recebida, eu e outra doula que foi no mesmo dia. Recebi informações importantes sobre a rotina, as recomendações, e entreguei os documentos solicitados para ter a atualização do cadastro de doula. Fiquei surpresa encontrando pessoas conhecidas pelos corredores que me cumprimentavam com sorrisos e abraços. Eu fui militante agressiva, falava alto, participava de passeatas e organizava denuncias... e numa época tinha impressão de que quase todo mundo me detestava porque eu ficava falando sobre os procedimentos que estavam desatualizados. Nesse dia do treinamento e atualização do cadastro eu sai dali com a noção de que também sou muito amada.
Dia seguinte - 24/04 - às 11 da manhã recebo uma mensagem: a vida novamente se adiantou.
- Oi Vânia, sou amiga da Naiara, ela acaba de ser internada, pelo histórico de pressão alta, vai começar a induzir.
Agradeci pelo aviso e à tarde fui vê-la. A cena na recepção foi assim:
- “Você já fez o treinamento”?
- Sim, fiz ontem!
Encontrei a Naiara calma, com o tratamento para abaixar a pressão e já tinham iniciado a indução. Sem pressa. Tudo sendo cuidadosamente observado.
Fiquei com ela, expliquei mais sobre a indução e que na hora do nascimento seria necessário ir para o centro obstétrico porque estando com 34s2d não poderia nascer no quarto. Falamos sobre outros detalhes porque não tínhamos feito o plano de parto.
Solange chegou, conversamos bastante. Naiara se queixando de dor de cabeça, trouxeram o remédio, e ela disse que estava sentindo umas contrações leves. Deixei ali minhas coisinhas de doulagem, noite caindo, fui pra casa jantar e dormir cedo para estar descansada quando as contrações ficassem mais fortes, talvez de madrugada?
Não.
A vida se adiantou. Solange me ligou dizendo que a pressão tinha subido muito - 18x10 - sem resposta à medicação, Naiara com muita dor de cabeça. Estavam preparando a cesárea.
Sai correndo, Raul me levou, estava caindo uma chuva fortíssima, fiquei até com medo que o centro estivesse inundado e não conseguíssemos passar. Mas passamos. Ai fiquei com medo que ele não conseguisse voltar. Mas ele voltou.
Entrei correndo na maternidade, já me levaram pro centro obstétrico e me deram as roupas e acessórios, me troquei e fiquei na porta sapateando, esperando a autorização para entrar. O medico auxiliar me viu, eu perguntei se podia entrar, ele perguntou pra equipe:
- "A doula chegou, já pode entrar?"
R) Sim!
A enfermeira me levou até a porta e me disse: -"fique aqui para não atrapalhar se precisarmos passar".
Ok fiquei ali quietinha, a Solange estava sentada perto da porta e a Naiara sentada na maca, encurvando o corpo para receber a anestesia. Respirando fundo e lágrimas corriam pelo seu rosto.
Fiquei ali com os olhos fixos nela, enviando ondas de amor. Em algum momento ela me olhou mas eu não sabia se com toda a paramentação do centro cirurgico ela reconheceria meus olhos.
Terminaram o procedimento, ela foi deitada e começaram a arrumar os campos, depois posicionaram a Solange no banquinho proximo à cabeça da Naiara. O anestesista tirou o piercing dela e me entregaram num saquinho que eu coloquei dentro da capinha do celular.
Eu vi a médica testando a anestesia pinçando diferentes áreas da barriga. Nenhuma reação da Naiara.
- “Vamos começar”.
Cortes, movimentos e manobras.
Solange me disse depois que olhava pra mim e eu estava calma, então ela se acalmava também.
Nasceu! Fiz a foto.
A bebê foi levada para a pediatra, e em algum momento a Solange foi autorizada a ir ficar junto, e eu autorizada a ficar perto da Naiara. E ali fiquei enquanto fechavam a cirurgia. Pedi a placenta e a enfemeira ajeitou pra mim num saquinho.
Quando abriram a outra porta a Solange estava ali e avisou que a bebê seria transferida para a UTI porque estava respirando mas muito superficialmente, precisaria de ajuda para manter a saturação.
Depois que a bebê foi, a Naiara foi levada para a sala de recuperação e ficamos ali conversando e olhando a foto que eu tirei mais as que a Solange tirou da bebê. Naiara chorava e repetia que queria ver a filha. Fizemos o possível para consolá-la, sabendo que essa dor é imensa.
Quando ela foi se acalmando e ficando sonolenta eu fui pro quarto e fiz o print da placenta.
Placenta pequena e muito dura. Eu estou acostumada a manusear placentas e essa era diferente. Mas cumpriu seu papel. E isso foi possível porque a Naiara se cuidou muito durante a gestação.
Nos dias seguintes muitas orações, e as noticias que chegavam, visita só ao meio dia, só a Naiara podia ir e só podia ir de ambulância.
Os dias foram passando, Thiago chegou. Naiara teve alta, depois foi re-internada, a pressão se estabilizava e descompensava novamente. E a bebê evoluindo bem. Até o dia em que veio a foto dos 3 juntos pela primeira vez após o nascimento da Maria Eduarda. Os 3 do lado de cá. Lagrimas e sorrisos se misturando. A vida acontecendo no seu próprio tempo.
E quando fui vê-los em casa, os 3mais a Solange e o Anandsing. Todos sorrisos e suspiros.
Deixei um print de placenta.
E o outro mandei pra Nara - placenteira de Porto Ferreira. Que fez uma linda aquarela.
E só quando fui levar essa arte que devolvi o piercing. Ele tinha ficado passeando comigo todo esse tempo!
Agora, passados quase 4 meses, Maria Eduarda saudável e cada vez mais linda.
Naiara querida, muito muito obrigada pela confiança e grande honra de te acompanhar nessa travessia. Desde os tempos que cantávamos Tropa de Elite até cantar Maria Maria e continuar caminhando. Mais uma vez: a vida tem seu próprio tempo, as marés sobem e descem, mas o mar é lindo sempre. Bom retorno ao Pará.
Um grande beijo!
Vâniadoula.